Boas Novas

17:20

Vó, Israel passou no vestibular, sabia? É, sei que a senhora sabe, sem dúvidas, sem o prazer de ter que ligar, fazer o floreio de novidade e, enfim, contar-lhe uma boa nova. A senhora sabe e ponto, simplesmente por que sei que vela serena por nós. É o vazio da ordem do dia, não lhe ter contado a boa nova, para ouvir seus agradecimentos a Deus e o reforço no seu alerta constante de que minha mãe é uma guerreira, que mais uma vez se fez vencedora e de que nós somos mesmos bons netos.
Ele passou e, tenho a impressão de que quem mais botava fé nisto era a senhora, sempre incrédula de que as coisas não pudessem magicamente mudar, de que a nossa vã credulidade na razão concreta e terrena não pudesse ser subvertida. Engenharia, vó, coisa que dá futuro, que dá família estável, filhos criados, mulheres com poder de consumo, uma vida regular, tudo que a senhora desejava com carinho para seus netos emprestados como àqueles que lhe ompartilhavam o sangue.
Fez uma falta que só agora posso dimensionar não ouvir os seus ditos populares, sempre rimados e experimentados na sua vida de episódios tantos. Fiquei atônita com sua partida, seca de lágrimas, soturna, sem surpresa, sem régua para dimensionar o tamanho do ocorrido, a magnitude do vácuo. A falta. Só o cotidiano me diria atroz a medida das perdas, o pesar que há de se abater quando a sua presença seria certa.
Israel passou, vó. E não se pode ouvir seus alertas extremamente sinceros, seus parabéns viscerais, seu orgulho reverberante e propagador. Nada disso, só os meus olhos sentido mais uma vez a falta úmida de um pedaço da história que foi e o pedaço que a vida cerceou de ser. O anel de quinze anos, conselhos sobre homens, a confiança reconfortante, os motivos de diversas das minhas fotos, seriam sozinhos motivos suficiente para estar lembrada para sempre do seu matriarcado eterno.
Gostaria de ter lhe dito que fiquei linda de caipira naquela foto aos meus dois anos, e que aquele esmero que me fez uma boneca tão pequena seria para sempre sua marca em minha vida. Todo meu futuro chora, vó. Porque nenhuma dessas Cláudias que fui deixou de sonhar-lhe recebendo e comemorando os trunfo de minhas glórias. E o que será agora me formar, vó, com sua cadeira vazia, com seu convite mentalmente sobrando, sem seus conselhos de festa, sem você e minha mãe debatendo o que será melhor para mim?
Eu bem queria ter lhe dito, vó, que tenho a vaga impressão de que estou amando, de que há um homem na minha vida e de que, haja o que houver daqui para frente, alguém mudou irremediavelmente o coração da menina cética da foto dos meus quinze anos. Eu sei que a senhora ia rir ou me prevenir de um possível arroubo de paixão que parece tão estranho a minha pessoa tão linear e sensata, tão ouvidora dos mais velhos e obediente. Mas é que a senhora era parte da minha sensatez, da minha cautela-neta em ouvir a razão-avó, um tanto extrema, mas sempre assertiva.
Nem sei mais. Estou prestes a esvair-me na maldição das filhas Eva e, talvez isso, mais o Natal e o advento de minha irremediável entrada na vida adulta me deixem assim, sentimental em demasia, querendo ajustar contas e pontas com um passado feliz que não escolhi findar. Eu te amo, vó. Acho que nunca lhe disse assim literalmente com todas as vogais, consoantes e afetos que evocam a frase. Eu te amo, era isso que eu queria dizer.

A minha amada E. M. S. Que Deus a tenha em um maravilhoso lugar.

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1 comentários

  1. Ela está lá.. onde os sonhos não se findam, onde as dores não existem, onde o brilho do mais profundo amor jamais se apaga. Ela está lá e, tenho certeza, não hesitaria em viver tudo outra vez. Ela te ama..

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