Carta ao meu Príncipe [26.07.2009]

17:57


Antes que me chegasse o Rei, escrevi ao Príncipe...



Carta ao Meu Príncipe

Querido príncipe,


Venho por meio destas mal traçadas linhas pedir-lhe que não venha ao meu encontro. Ao menos por hora, pois cá as coisas não estão em seus melhores dias. Não se assuste, não adiaremos o momento de nosso encontro por muito tempo. Será coisa de mais ou menos duas décadas mais ou menos, nada que um “felizes para sempre’ não compense, certo?
Tenho tido problemas com essa coisa de ser adulta. Não bastasse a adolescência e seus dramas, acabei de descobrir a balela que me contavam sobre a maturidade correspondente vir com a idade, e olha que já podem me aprisionar na masmorra, e, se o dragão me papar ou me chamuscar com suas labaredas as cavalarias do reino ficarão inertes, está tudo por minha conta e responsabilidade.
A coisa está tão séria meu querido, que só o chamo pelo título de príncipe por puro hábito, porque príncipe, eu descobri, é uma entidade abstrata. Vá lá, nem tanto, mas pelo menos não existe cá nas minhas bandas. Não negue, já sei de tudo, andei relendo a biografia amorosa da Cinderela, com figurinhas. Príncipes são altos, loiros, de olhos azuis e imponentes, praticamente vikings, mas não o são, príncipe é príncipe e viking é viking, os dois têm poder suficiente para barbarizar, mas só o viking é real e cotidiano o bastante para levar a culpa.
Pois bem, são altos, loiros, têm olhos azuis e são imponentes e obviamente não estão neste hemisfério do planeta. É isso mesmo, eles são dinamarqueses! Ou alemães, búlgaros ou holandeses, ou de qualquer uma dessas nacionalidades que precisam usar fator 100. E as fadas madrinhas, naturalmente, são americanas, tias-avós do Tio Sam. Não reparou? Eu te dou isso, mas não posso resolver para você. Eu te dou aquilo, mas você tem que aprender a moral da história que eu vim ensinar. Até imagino a provável conversa com a Cinderela:
- Cindy, honey, você quer conquistar seu homem, digo, seu príncipe?
- É tudo que minh’alma clama neste...
- Sei, tá. Mas vamos dar um upgrade nesse look, ok? Eu sei que você curte mais o plebe style, mas nas veias do seu príncipe corre sangue azul Royal nº 1 da cartela de cores Armani.
- Mas o amor transcende qualquer barreira que...
- Honey, ninguém transcende nada de cara lavada e lencinho camponês, faça-me o favor!
- Mas o amor deve ser autêntico...
- Claro que deve! Fica tranqüila que seu vestido será da autêntica alta costura! Acho que um Dolce & Gabanna ou um Balenciaga, que combina mais com essa coisa idílica, meio hippie, meio chique... Um diadema de cristais Swarovsky...
- E...
- É mesmo, bem lembrado! O sapato... hum... a verba acabou, mas não esquenta, qualquer coisa eu transformo até abóbora em um Christian Loubotin ou num Manolo Blahnik.
- Mas, mas, mas, não tem mais nem menos, quer dizer, apenas um mais... Depois da meia noite você tem que se mandar porque o prazo de validade é de um dia, depois da meia noite, pum, acabou. Desculpa, mas você sabe como é, né? Bônus mágico, expira independente do uso.
- Não sei...
- Vai lá menina, arrebenta Cindy!
E pelos meus cálculos, Cindy, ou melhor, Cinderela chegou à festa às 23:45, teve seus quinze minutos de fama e saiu correndo. Príncipe, você nunca desconfiou porque tudo voltou à forma original, menos o sapatinho de cristal? Vale tudo por um príncipe, e o sapato certo será sempre o sapato certo.
Mas chega de sociologia do conto de fadas, porque nem a Carochinha vai perdoar se eu não pagar os royalties, e isso é uma carta ao meu príncipe, portanto, uma carta de amor, traduzindo o que nos vai no coração, no meu caso, o que me vai no miocárdio.
Príncipe, eu sei que te anseio antes mesmo do reconhecimento e da contemplação, e blá, blá, blá... Mas pelo bem do nosso amor, não venha agora.
Deflore quantas moçoilas se apresentarem à tua cama, dê e vá a festas dignas da sua majestade, tenha herdeiros, viva! E mais tarde, quem sabe, nos encontraremos, bem vividos, ou não, experientes e sem ilusões demais para corromper o nosso amor. Eu, cá, vou me arranjando, pretendo casar com algum conselheiro, escriba, sumo sacerdote ou tabelião real, ou qualquer cargo com o pé na realidade que não tenha atrás e depois de si uma linhagem, prerrogativas e obrigações que alguém inventou nem se lembram quando.
Prometo não deixar que as intempéries da vida acostume os meus olhos aos horrores, pois como poderei olhar-te com os olhos do amor se não puder me chocar, me surpreender, se não puder me deixar arrebatar? Guardarei um pouco de doçura, não muito, não se iluda, apenas o suficiente. A cada um o seu tanto e a ti a medida correta do que posso e pretendo, mas para que tudo isso se realize, para que sejamos verdadeiramente um desde a ocasião do nosso encontro eu lhe peço, tarde a vir.
Já que a razão já não será das companhias mais freqüentes quando pensarmos um no outro, ao menos deixe-me fazer um pouco de uso dela antes que me venhas afastar os pés do chão. Deixe que eu faça jus à minha educação, que eu faça meu tributo ao bom senso, aí príncipe, meu querido e amado príncipe, hei de entregar-lhe muito mais do que tenho hoje.
Hoje eu lhe entregaria uns poucos anos de experiência, uns rompantes de reforma do mundo, minha tendência à esquerda e minha ânsia e angústia por toda uma vida para construir. Mais lá para frente, madura talvez, habituada comigo e com os demais hei de fazer uma entrega mais verdadeira, que de tão mais consciente há de ser mais apaixonada.
Por enquanto vou beijando os sapos, e por favor, não falemos de pererecas, porque não posso ignorar meu sentimento de posse latejando quando tenho esse tipo de pensamento. Chegando despropositadamente agora ou tardando a vir, és meu. Mas quem sabe este tempo não serve também para amainar essas coisas de princesinha? Mas como eu falava, vou beijando os sapos...

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