Uma carta para Mamãe do Céu

22:36





Ouvindo um amiga contar das aventura musicais de seu sobrinho de 3 anos, entoando pela casa, entre panelas, Mamãe do Céu, lembrei-me dos guardados de meu diário diáfano.





No frio de uma quinta feira chuvosa, com poucos quilos, algumas complicações e toda vida pela frente eu nasci no décimo dia do mês da minha mãe, das mães, da Mãe.

Católica de berço, destinada a ser iconoclasta, eu sempre me detinha frente às suas representações plácidas, cândidas, alvas. Mamãe do Céu e seu gestual infantil, emulando o véu, a prece e o amor, estavam na escola, na casa, na catequese, na casa-escola, na catequese-casa e na casa-catequese-escola. E entre as músicas que um dia eu disse querer ensinar à minhas filhas.

Naquele seu mês, quando eu tinha no meu coração já a dor de cisão de deixar sua Igreja, foi a primeira vez que subi ao púlpito para ser comentarista. 14 anos de vida eu tinha na vontade furiosa de ter 18 e dizer ao mundo que tinha aprendido na aula de história que meu berço religioso de amor era intricado em farsas, políticas e condicionamentos. Foi a única vez que doeu de verdade partir. Na ânsia do plano já maquinado eu me detive aquela vez dentro da confiança de meus pares de me eleger ao púlpito, de comentar a Mãe.

Olhando para suas fotos espalhadas pela igreja, para cada mulher daquela platéia, para o padre paciente e vagaroso que batizou metade da comunidade, que me habilitou a comungar com minha gente, para a minha koinonya, minha tribo, eu senti paz e nenhum dogma pesava em meus princípios, nem minha devoção irrefletida pesava em meu recentes princípios de aula de história da oitava série.

Falei do fundo da criação, da doutrina e da minha vontade de falar.

Naquele púlpito haviam se revezado as mulheres de minha igreja, cuidadoras e gestoras do templo e da força, de nossas educações, da maternagem de todas aquelas crianças que eram agoras adolescentes e me delegaram a tarefar de comentar.

Só daquela vez doeu decidir partir, romper e receber os aplausos, as felicitações, as exortações a "meu talento com as palavras".

Passei anos refletindo meu comentário, o impultar-lhe a forma de um diamante, das suas várias facetas de amor por onde nós aprendíamos a amar Deus com doçura e força. Hoje, deste diamante, mais lega-me a ciência do que a religião. Mais lega-me as aulas de biologia do que as de história. Você, Mãe, no topo da escala de dureza, diamante, reinando coroada ainda naquela imagem das minhas reminescências, de quando me vestiram de anjo para pôr na sua cabeça de gesso e fé o diadema feito pelas mãos dos que lhe adoravam.

Eu sempre quis ser anjo, sempre quis ser mulher, desde a resignação dos meus angelicais 10 anos coroadores, na fúria comentarista de você e do mundo dos meus quartoze, na vida desde uma madrugada chuvosa em que não se ouviu meu primeiro choro.

Hoje eu quero ser é diamante, riscar todas as durezas que não forem dignas do topo da minha escala, da liberdade por sobre onde eu me sentei com certo cansaço e pouca resignação.

Naquela noite eu mal sabia que falava de mim e de você, e confessava já com saudade que eu havia de sair para crescer, para olhar para mim e para a minha Mãe, aquela maiúscula da madrugada chuvosa, em que abriu-se ao mundo para me presenteá-lo, e da vida toda. O meu diamante brutamente lapidado, meu polígono referencial.

Tantos lados e arestas, poucos anos depois, sou uma menina confusa a parir tempo e idéias antes da conceber para também ser mãe.

Quanto tempo, hein Mãe?

E só ontem percebi que pouco antes de conhecer minha nova casa, meu Universo de Diversidade eu pus em cima do peito a sua foto e do seu filho por amizade e comunhão àqueles que me puseram no púlpito e na vida. E nunca mais tirei, e só troquei por mais outro, quando a mão amada de outra religião, ecumênica ao me presentear as novas fotos de sua família, sorriu de rosto todo.

Vou tirar. Preciso crescer. Iconoclasta que sou, levo imagens nossas, menos pesadas, mais eivadas de amor, simbolicamente no miocárdio e nesse emaranhado de neurônios que se esconde sob minhas melenas.

Volto já, daqui a pouquinho, volto sempre, como sempre retorno à casa de minha Maiúscula Mãe.

A senhora me fez escolher o púlpito, a fúria, o diadema, o cisma, o partir, para ser o que escolhi,

Graças a Deus,

E naquela noite,

Palavra da Salvação.










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1 comentários

  1. Um aleitamento de fé. Eu entendo todo o parir deste seu texto: nasce palavras de fé. Donde se vem da casa-coração, casa-amor, casa-confiança. Sinto certo pesar por aqueles que andam nesse mundo órfãos desta Maternidade Maior - a da crença.

    Seu texto, como sempre, fluindo no amor em pó.
    Cheiro, minha preta.

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