Paquitas, Debates e Fim do Mundo

21:19


Pseudo-Deuses debatendo



Quando eu era pequena queria ser paquita, depois quis ser nega do Tchan e, paralelo a tudo, alimentava o sonho de ser professora igual a minha mãe. Minha mãe tratou de alertar-me para a ausência de pigmento loiro em minhas madeixas, que denotava também a falta da condição caucasiana para ser paquita. Nunca me ressenti de Xuxa, mas lembro de ter ficado chateada com esse “impeditivo natural” que era a não condição caucasiana. Mais tarde, quando entrei na pré adolescência, eu continuava com meus grandes olhos castanhos escuros, muito cabelo, pouca carne e perna fina. Adeus sonho do Tchan. E, neste caso, o cargo existia para a cor, eu rebolava todas as composições exemplarmente e tinha inventividade o suficiente para elaborar coreografias. Mas eu crescia e continuava uma menina comum. As curvas, contornos e recheios não vinham.
A esta altura o sonho de ser professora parecia bem mais próximo e provável, acrescido de minha tagarelice e crescente sarcasmo e ironia, adquirido nas leituras e amizades. Tudo isso me impelia ao debate. Religião não se debate? Não debate porquê? Na minha púbere e severa lei eu tinha que debater, que rebater, que replicar, treplicar, exaurir, se necessário, brigar. Afinal, eu tinha opinião! Que tinha que ser respeitada e levada em consideração!
Hoje eu sou do partido PFDM, Partido do Fim do Mundo. Esperando sinceramente que ele acabe numa tarde ensolarada, numa rajada sinistra, sem dor, sem culpas anistiáveis, perdões de final e um homem sacana gritando: Mulheres, crianças e idosos primeiro! Mas Deus é “O Pai”. O que significa que Ele é O Único que conhece o mistério da criação de crianças e sabe exatamente o que é dar limites, mostrar as conseqüências e educar até fim. Dos Tempos.
Portanto, enquanto o mundo não acaba, a continuidade clama o debate. E isto não é uma rima filosófica, é uma rima sinistra, porque essa continuidade é de existir no gerúndio e não de continuar, permanecer.
Mas debater é bom se o mundo vai acabar amanhã e Deus vai perdoar o pecado da ira, você não vai mais ter que ver aquele seu amigo que depois de tantos anos você descobriu que concorda com um partido de idéia antagônico ao seu. Se o mundo vai acabar e seu chefe neoliberal não vai reunir exemplos de colegas, dispostos a agradá-lo, para azucrinar sua cabeça marxista. Se não for à beira do juízo final é como café: se não gostar, tudo bem, não entende quem toma, mas já viu e vai ver o consumo; se gostar, quando tentar largar, tem dor de cabeça, se permanecer no vício corre o risco de estragar os dentes. E na nossa sociedade quando digo estragar o dente, pode estar relacionado a perdê-los, por força de agressão.
O problema é a verdade, escrita com inicial maiúscula, precedida por artigo feminino singular, também maiúscula, que menciono, mas tenho até medo de grafar e trazer má sorte. Dessa maneira grafada, sua suposta posse é o fundilho furado para o abismo que está no âmago de todo o debate mesquinho, de permanência e não de existência no gerúndio. Parece ser um jeito de flertar com a vontade megalômana do ser humano de extremar ao máximo grau a tal semelhança com Deus que, aliás, creio, declarou isso por amor e metáfora, e põe metáfora nisso.
E olha que tem debatedor que nem acredita em Deus.
O fato é que, acho que, sem imediato fim dos tempos o debate só é possível em posse de uma verdade minúscula, localizada, precedida por um artigo indefinido ou pronome possessivo. Enquanto se saboreia um café. Sem vício, sem prejuízo aos dentes: estes são os limites de um verdadeiro debatedor. Acho, com essa uma ou minha verdade, minúscula.

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1 comentários

  1. Que pena que o BLOGSPOT não tem o icone curtir.. iria ficar apertando freneticamente..

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