Quando a morte nos sonda companheira

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Os cachinhos sedosos contrariando a tendência de quem mora na ilha, o sorriso maroto brincando no rosto por entre dentes montados, enquanto aperta os olhinhos que parecem desde sempre delineados com seus longos cílios escuros. É uma lembrança serena e sorridente de nossa adolescência, de um bem querer presenteado pela amizade que tinha pelos irmãos mais velhos. Veio de brinde um pequeno irmão irreverente.
Não tivemos tempo de decepções ou impasses aborrecidos, nem da profundidade cúmplice de grandes amigos. Por isso, nossa relação segue sem mácula, sem dor, na beleza da camaradagem, de um bem querer genuíno que acalenta o coração, daquele gostar de graça, sem pedido, sem cativar, sem impor.
Sinto-me velha, quando me assalta esse horror da morte precoce da juventude, do eterno se que angustiará pais, irmãos, amigos e amores quando da lembrança de quem, em tenra flor, foi-se. De quando diremos quantos anos faria, como estaria, do que nos faria rir.
Sinto mais horror da morte não lhe ter sondando companheira, solidária como foi a meu tio-avô, findando-lhe a vida com suavidade, em respeito à trajetória e em repúdio a dor da debilidade acentuada. Logo o coração lhe traiu, como se não aguentasse qualquer vilipendiação que a vida lhe pudesse ofertar, o pouco ou o muito da loucura que a vida oferta aos jovens como afronta à eternidade, à posteridade besta da boçalidade que só nos vem com o patente medo da morte.
Com poucos dias de diferença duas famílias sentiram a dor da tenra ceifa e do enfim encontro, de seu filho crescente e de seu patriarca antigo, perto do findar do ano, como se estes três morressem a tempo de fechar o ciclo, de lembrar-nos da nossa brevidade, da inconstância da vida e da naturalidade da morte.
Tudo assim me parece um sinistro clichê, mas que fazer se em constância a morte se impõe genuína imortal? E, mais que ela, a dor, na brevidade ou na longevidade de nossos amores. Parece mais eficiente desejar que a morte nos seja companheira solidária do que, que neste ano vindouro, a vida nos seja feliz. Mas o mais eficiente nada nos diz da vida. Vamos de novo, como em todo ciclo, saudar o ano sem o ressentimento de nossas dores, só com as saudades de nossos amores e os exemplos de seus atemporais tempos de passagem por nossa nave Terra.

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