De novo e sempre, vó

16:41

O mundo ainda é mau, vó, e me constrange facilmente fora de nosso reino encantado. E eu cá, sempre tola, carregando esse luto tardio, essas recordações tão vastamente pequenas, alojadas nos detalhes, minando o terreno fértil da minha memória. Não sei recordar sem explodir, sem antever as perdas todas, as cadeiras vazias, as tormentas sem auxílio, meus rebentos na ausência de seus primeiros desvelos, sem o canto egocêntrico que só o regaço de vó é capaz de se constituir para amparar.
Eu retiraria as bobagens todas, aquelas ditas em silêncio, no encantamento do mundo novo, de quando fui tragada pelas letras densas. Tolices vó, que dizemos arrogantes, em posse de uma tal autonomia que pensamos comprar em novos espaços ao baixo custo de uns anos a mais. Era tudo mentira, me disse o tempo: eu a deixaria mimá-los a contento, estragá-los quanto quisesse, mumurar às minhas costas e tramar desobediências tantas quanto sua imaginação de vó desejasse me impor.
Fiquei aqui menina ainda, com aquele remorso pesado de adiar vê-la, de não querer encará-la sem seus escudos, sem a armadura, sem o elmo que também era o halo de sua força.
Cá estamos nós, vó, novamente, como sempre deverá ser. Eu lhe procurando nas lembranças e a senhora a persistir na fuga intermitente, eterna, de quem foi antes que eu pudesse lhe dar de fruir dos meus frutos, lhe contar minha próprias história de tirar o sono.
Quantas perdas hão de haver até que você seja a própria saudade, minha nega? Quantas lágrimas vão adensar essa distância até que lembrar seja colocá-la aqui, no peito, pra me fazer, de fato menina, de direito a mulher que você desenhou em meu espelho?
Sabe lá Deus, e eu só pranteio, até que possam estar secos os seu eternos lugares.

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