Notícias ruins da Bahia

17:44





À minha mestra querida, que não sabia o que me perguntava quando perguntou-me sobre a Bahia...



Mestra querida,
Escrevo-lhe agora,
Assentada no frio da incerteza,
De um chão insípido,
Onde me sentei a ver espetáculo grandioso.
Que decerto nos doerá o mesmo tanto de sua beleza.

Pediu-me notícias,
Solicitou-as de modo a fazer-me sentir
a brisa das amenidades.
E eu, tristemente, noticio boletins de nossas dores e sevícias
Quando estava a meio passo
de segredar-lhe pequenezas e frivolidades

São notícias ruins da Bahia
Que eu deveria descrever como belas
Mas, como poderia?
Agora que meu coração se aflige,
se alguém me indaga,
descompromissado com a contundência:
Como vai a Bahia?

Conto-lhe já
coisas de quando eu e os meus marchamos juntos
E tínhamos os peitos lacerados de esperança,
aquecidos de poder,
vulneráveis à marcha bélica.

Marchávamos dos dois lados,
Opostos irmãos,
Olhavam para nós, sedados,
Mas sequer viam nossos traços,
Olhavam através.
E se detinham em nossa pele,
enquanto preparavam o laço,
não me iludo,
Olhavam através.
Já nos tinham visto
Aqueles que ditavam o ritmo.

Creio que viram
nossa pele deveras elegante,
sob o sol e o brilho do suor compulsório.
E inebriados pelo poder
que se estende além do horizonte,
ao saber que só se pode através de nosso sangue,
                              [e ao não tê-lo, ao não sê-lo,
                              nutrem-se de poder ao derramá-lo]
viram no azeviche de nossa tez,
na sedução pelo específico de nosso escalpo,
a beleza sinistra para o holocausto cotidiano,
oferecendo a deuses ocos, mas irascíveis,
a oferenda de nossa fronte mutilada.

Desce-nos o sangue aos olhos.
Assim que vemos,
                              [no rubro de nossas forças]
A desconcertante desmensura do tapete de nossas peles.
Assim que vemos,
                              [esfolados e inteiros]
passarem frívolos sobre nossa epiderme estendida,
Sob o sol que, no que aquece, no que nutre,
escalda-nos para a deglutição,
do que de alheio se fez desconhecido,
mas nos frequenta os espaços,
dos que nos enfileram ao abate,
aos que nos constituem no íntimo.

São notícias ruins da Bahia,
da vileza presente de sua história passada.
Perdoe a pausa,
[eterna]
já não sei contar casos,
nem gentes.




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