Quase filha

15:46







Tenho certeza que eu sorria enquanto colocava atrás de todo o passado revisitado o passado que ainda estava por ver e, de repente, esbarrei na blandícia triste de sua infância, tão tenra, de uma dor tão doída e só fendida pelo ar de desamparo que sempre me desconcertou. Eu estava incerta se conseguia segurar nas mãos aquele maço de passado onde você pesava anos.
Seus olhos desde já pareciam confessar uma tristeza que vejo na sua puberdade indecisa, nas unhas pequenas, um pouco roídas, massacradas apenas discretamente, ao seu modo tão polidamente educado e reservado de sofrer desde sempre. 
Eu me digo que a tardia descoberta da miopia reescreve meus receios com seu pesar. 
Diziam que andava como uma astronauta, desbravando os primeiro passos como se estivesse impedida de avançar, firmando no passo receoso a enfim certeza de chão.
Mas eu olho de novo e parece que a flor em suas mãos é uma tábua segura, suspensa no ar, ou um pretexto, um enfeite de mãe vaidosa na mão da filha-brinquedo.
Olho e silencio. Rememoro nossas semelhanças, pergunto-me que tal aleitamento de desolação lhe demos, para ser tão densa essa sua dupla presença.
Deveria ter lhe ninado e cantado músicas de entreter a alma, distraí-la de seu duro carma, qualquer que seja. Devia ter lhe ensinado que de tristezas nos basta o amor. Devia ter enchido seus olhos de ardor. Devia ter desprotegido seu canto de intimidade, onde colocamos seu coração, que nos parecia frágil para um clã de corações fora do peito. Devia ter lhe amado a ponto de jogá-la do ninho.

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