O fim

18:12





Colou o ouvido à porta. Respiração suspensa. Ele tinha certeza que estava em uma posição ridícula de ser visto, com o corpo ligeiramente trêmulo e encurvado. Rezava - como se por rezar entendesse um desejo profundo -  para ser apenas mais uma de suas paranóias, coisas que ela classificaria, como ela bem dizia, como insegurança de macho deslocado.
Contava os segundos com a parcimônia de quem não conta, mas dá passagem aos milésimos. Ela estava abaixando a calcinha, certeza! Mas isso sequer roçou o desejo que ele tinha nas entranhas e tanto cultivava. Pensava mil coisas e nada. E a contagem, a apreensão, um medo brando e certo de si.
Até que ouviu como se fosse uma sentença, uma marcha fúnebre, um insulto. Ouviu o som acintoso do líquido que se precipita do alto, forte e contínuo. 
Ela havia esperado provavelmente horas por aquilo e, nem por isso, ela parecia ter cogitado se sentar. Nem pelo conforto no alívio. Nem por este motivo secundário, que bastaria por não poder ser desambiguado.
Era como um recado claro, um código simples e direto. Nem mesmo pela comodidade.
Ele tentou compreender. Mensurou uns 30 segundos de margem para justificar e perdoar, entre o tempo da limpeza e o de abrir a porta, mas, de repente, estava tão chateado!
Ela não confiava e não era parte, não pertencia. Seis meses e ela não pertencia. Os olhos enchiam-se. Inflou o peito, olhos fechados, estava para fugir. Mas ela irrompeu da porta e já tinha os olhos cravados na estranheza daquela cena.
Ele olhou calmamente para ela e os olhos ainda estavam cheios, brilhantes, molhados.
Ela adivinhou mais uma paranóia e leu uma seriedade alarmante nesta que agora se manifestava, a ponto de se precipitar nos olhos vidrados.
20 segundos e estavam certos que eles se afogavam. Só por isso, dali a pouco, estavam abraçando-se. Tencionavam salvarem-se, agarrar algo que ia na correnteza da circunstância.
Meu Deus! Era tão bom aquele amor quente e matinal, que hibernava nos domingos e feriados... a comodidade de sentimentos moderados!
Mas perdiam-se e tinha certeza. Certeza do fim.
Ela sorriu, solidariemente, apenas um pouco, assumia discretamente a culpa. Por isso esfregava os braços dele, dava-lhe coragem, pedia desculpas à sua passionalidade dependente. Ele só repetia com os olhos "você não sentou".
Doía já. Uma pena cortante daquele homem desolado.
Resolveu sair antes que a mãe dele os chamasse à mesa.
Seguraram-se pelas pontas dos dedos e acharam que deviam-se um beijo. Apenas uma despedida formal daquele caso natimorto.
Olharam-se ainda uma última vez. Desesperavam-se na busca derradeira de uma justificativa, um fio persistente, uma desculpa suficiente. 
O amor mesmo, aquele dos livros, doeria tanto! E mesmo assim liberavam-se à multidão.
Sentado, sangrava, o amor era um descompasso.
Corria, doida, de repente e de novo, transbordava. 
Era um fim.


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