Quando se deve valsar um rap com seu amor

14:20



Estamos em 19 de abril de 2016.

[Embora há 16 anos atrás este ano parecesse uma improbabilidade tecnológica, inatingível e superior, que inviabilizaria a existência simplória de nossa pobreza remediada, cá estamos nós, ainda onívoros, inconsequentes e dependente do petróleo.]

Na sala de nossa recente casa há a presença latente de um golpe político em curso, nos obrigando a viver entre amenidades, os pratos sujos e o passado que atou as linhas do nosso futuro.

[As rimas acidentais só dão o verniz da ironia à situação.]

Mal valsamos um rap indignado, agarrados, segurando com a displicência recém casada as tantas coisas que somos nós, num abraço frouxo sem roupas íntimas, sob o convite do vinho vagabundo a sete reais na esquina de casa.

Estou levemente tonta e sinto que chega pela porta algo anunciado pelo frio no estômago. Eu sinto medo e sei que meu bem amado contabiliza seus pesares. Minhas mãos em suas costas tentam um corte cirúrgico na hesitação de seu silêncio.
Está cada vez mais claro que algo vai acontecer.

Repouso minha cabeça entre o pós-barba e o creme de cabelo, sentindo a aura física da quentura morna do seu corpo. Cheira ao sabonete preferido, num aviso idôneo de que seu banho é como ainda ontem. De alguma forma, algo foi preservado.

A carne mais barata do mercado é a negra, a carne mais marcada pelo Estado é a negra, na leveza formal de dois-pra-lá-dois-pra-cá. Não me causa estranheza o despropósito de valsar um rap. Precisamos de nós, a estranheza é o desamor na ordem do dia.

Algo vai acontecer e estamos perplexos e expectantes, com o receio latente de quem tem tudo a perder, mas amanhã vai bater ponto.

Acampamos na sala, entrincheirando uma defensiva contra o que quer venha da porta. Estamos certos de que acordaremos vivos. Apenas medrosos de que novas ruínas escrutinaremos nos jornais da manhã. De por quais escombros faremos viagens intranquilas rumo à certeza cotidiana de trabalhar até morrer.

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